Por Raquel Neves
Apesar de ser um dos assuntos mais polêmicos e de maior atenção da mídia, pouco foi acordado nas últimas conferências globais de mudanças climáticas. A última conferência, realizada em Cancun, foi em dezembro de 2010. O acordo fechado entre os 194 países participantes tem como pontos o programa de ajuda para países em desenvolvimento, medidas para desacelerar o aquecimento global, diretrizes para o protocolo de Kyoto, e metas de redução do desmatamento (leia mais). Apesar de o acordo englobar pontos importantes, estes ainda são considerados modestos quando comparados às metas estipuladas em conferências anteriores.
As prospecções ecológicas indicam que as mudanças climáticas irão afetar seriamente a biodiversidade global, entretanto, os impactos ecológicos dessas mudanças são mais lentos, o que faz com que as ações necessárias para desacelerar as mudanças no clima ainda sejam negligenciadas. Por outro lado, outros fatores de impacto como as modificações no uso da terra, poluição e bioinvasão (invasão do ecossistema por espécies não nativas) exercem uma força de rápido efeito e grande impacto global.
O que podemos esperar em relação ao impacto de modificações no clima em sistemas marinhos ? Uma possível consequência é uma maior diferença de temperatura entre a camada de água mais superficial que fica mais quente, e a água mais fria do fundo. Como a densidade da água muda conforme a temperatura, sendo a fria mais densa e indo para o fundo, essas águas acabam não se misturando. A mistura da coluna d’água é importante para o fornecimento de nutrientes para as camadas mais superficiais que tendem a ser mais pobres em função do alto consumo de nutrientes (principalmente nitrogênio e fósforo) por organismos que fazem fotossíntese, fitoplâncton, e se mantém na superfície iluminada pela luz do sol. Logo, quanto maior a diferença de temperatura entre essas camadas, mais difícil ocorrerá a mistura dessas águas, deixando as águas superficiais cada vez mais pobres em nutriente. O efeito disso, logo no primeiro momento é a diminuição da quantidade de fitoplâncton, que é a base da cadeia alimentar dos ecossistemas marinhos, determinando uma menor produtividade pesqueira. Além de questões térmicas, outra consequência bastante discutida é o derretimento do gelo marinho e a redução no pH da água do mar impulsionada pelo aumento da disponibilidade de CO2 proveniente de processos industriais. Os oceanos absorvem o CO2 da atmosfera o que causaria um desequilíbrio no pH da água marinha e limitaria a vida dos organismos, principalmente os que liberam gametas e embriões na coluna d’água (leia aqui o artigo da revista Current Biology sobre esse assunto). Com a alteração do pH os gametas se tornam pouco viáveis o que reduz o sucesso na reprodução dessa espécie e, a longo prazo, poderia causar a extinção da mesma. Outro problema relacionado ao aumento de CO2 na atmosfera está associado aos compostos de carbonato de cálcio. Quanto mais CO2 na atmosfera menor seria a quantidade de carbonato de cálcio disponível na água do mar, devido à alteração no balanço químico entre esses compostos que determinam a dissolução desse carbonato. Assim, animais como moluscos com conchas (mexilhões e caramujos) e corais sofreriam com a carência do material básico para a construção de seu corpo, o carbonato de cálcio.
Os processos no meio ambiente são interligados e interagem entre si, o que nos faz pensar que não podemos predizer todas as grandes mudanças que podem ocorrer caso o cenário ambiental se mantenha no caminho que assistimos atualmente. Variações no clima e na composição das espécies terrestres e marinhas determinam modificações (ou mesmo quebra) nos processos de produção de energia, alimentos e fármacos importantes para a vida humana. E o que podemos fazer ? Mudar pequenos hábitos básicos de forma a reduzir o consumo e os impactos ao meio ambiente, além de pressionar o poder público para que seja modificada a cultura do “progresso econômico a qualquer custo” buscando resguardar os ecossistemas naturais.
Mais sobre esse assunto na revista Nature.
|